quinta-feira, 11 de abril de 2013

Perfumes


Nos meus olhos há lágrimas. Lágrimas que olham para a porta da sala, testemunha viva das malas que há pouco exilaram junto de ti. Porém a ausência não tolhe o rastro do teu perfume favorito, teimoso, que insiste ficar como seu eu fosse a viúva duma fragrância que fere e causa dor.
Não há como negar,  me sinto a chaga do mundo, ferida que não cicatriza, a dor que persiste, mas que diz que há vida lá fora e sons como esses que, eclodindo na janela são gotas duma mesma chuva que inunda dentro de mim
Ainda parada à passagem da sala, penso, repenso, e é tanta a dor, e o que faço?
Maldito seja o que não não sai de dentro de mim! Maldito sejas tu e o teu perfume que o meu amor abomina, mas que persiste incrustado mim e ganha os quartos e corredores a cada um dos meus passos, sufocando-me, confundindo, me assassinando.
Logo, me sinto mal e não mais quero respirar o ar dum passado de poucas horas, então saio e vou à procura de algum lugar que me faça  livre do peso da  idolatria que sinto por ti.
Pela mesma porta da sala alcanço o quintal e me misturo às águas da chuva e à fúria dos raios e trovões. Sim, sei que tenho pavor do estrondo que produzem, mas, mesmo que me amedrontem não arredarei pé. Portanto deixo a chuva molhar minhas roupas, o rosto, tocar meus lábios num momento que não é bom, é agonia, é meu desespero, destempero que me lesa às frações e me ocultam descobertas relegando-me ao descaso melancólico do teu amor.
Ainda estou frágil sob os rancores duma tempestade que mal inicia e tento evitar o desalento e não consigo, já que  desencontrada de mim sinto-me distante daquilo que fui, do riso fácil e um olhar de esperança eterna.
Sem saber como agir retorno para dentro da casa, e lá inesperadamente o teu cheiro me nauseia, enoja, mas mesmo que não se faça  motivo relembro os teus olhos, e eles são lindos, mas estão tão longe agora.
E é a imagem do teu olhar vagabundo que tatua minhas certezas, pois mesmo estando próximo estiveste tão ausente que jamais notaste as causas dos sorrisos nesta mulher que te amou.
Sim, essa é a  verdade e estou tão encharcada e tonta e ando para lá e pra ca como barata intoxicada, então entro e saio de quartos, inspeciono os corredores e retorno à sala acompanhada dum choro que me pede paciência e alguma necessidade do tempo.
Não preciso de tempo! Irrito-me em lamentos de leoa ferida à merce dum último disparo. Surpresa acolho os momentos que em mim as gotas estancam e estacionam em meus lábios, mas elas me  incomodam e obrigam-me a tocá-las com a ponta da língua. E assim eu faço e lhes sinto o sabor  insosso, óbvio sinal de que tudo é passível de mutação, pois já deslizaram mais salgadas.
Aturdida dirijo-me ao banheiro e acolho uma toalha de rosto, felpuda, e com ela vou à cozinha e preparo algo, preciso me ocupar. Feito, retorno para sala com uma pequena caneca à mão e a toalha ao ombro. Mas ali alguma coisa muda, está diferente, pois não mais ouço o barulho da chuva e nem dos raios e nem recende no ar o odor do teu perfume. Penso nisso por mais alguns instantes e um riso nervoso me escapa junto de  duas lágrimas retardatárias; talvez o teu rastro, igualmente covarde se dobrou ao delicioso e estimulante aroma de coisa fresca. - Boa viagem querido! - Murmuro-te em desejo ao enxugar o solitário par de gotas na maciez das felpas.
Antes de descansar a toalha no braço do sofá olho para as chaves duma porta trancada no mesmo instante em que desponta em mim um sorriso triste, nostálgico, conformado até, mas voluntarioso ao sorver o longo gole do café ainda quente.

Copirraiti09Abr2013
Véio China©

 *Primeiro experiência com um texto que tenta alcançar as sensíveis emoões de mulher.
Se foi conseguido não sei.

6 comentários:

  1. Não só alcançou como também me fez tua fã! Parabéns amigo! Ah! publiquei em meu blog também!

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  2. Uma voz de alma feminina. A chuva que lava e refaz... e a delicadeza de perceber como o coração feminino tem entrelaçado dor, amor e esperança.
    Belo trabalho

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  3. Então...Nessa solidão cá e meus sistemas cada vez mais confusos feito eu rss, olha o que me veio à memória!!! Esse espaço!!! Que legal! Não li os demais.... ( penso serem profundo demais para minha vil sensibilidade ) enfim, gostei do texto, mas preciso fazer um adendo ( posso certo? )rs, vou fazer... o texto traz um narrador ou personagem feminino, penso que com um pouco mais de tentativas vou vai com certeza trazer um personagem literalmente feminino, no entanto esse texto deixa subtendido ora o véio china narrador em estado de comoção rs ora o Pavani e seu Lirismo rarefeito, todavia isso é comum, visando como vc mesmo diz, que é uma tentativa rs. Mas gostei, enfim gostei, só minha crítica a esse escapismo exacerbado da mulher ali trazida... ou sou muito insensível ou como disse anteriormente ainda falta um pouquinho para a "véia china" emergir rss... mas bacana.
    Vou nessa, não se irrite não foi uma crítica negativa até mesmo porque não tenho essa veia literária vlw, fica na paz, Vou nessa seguir com o trabalho pós momento nostalgia rs.

    Parabéns.

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  4. Pô! Obrigado mesmo, meninas! Valeus

    Grato Eu, Cau e Hallafaith.

    Sempre costumo dizer que críticas são mais importantes que o texto. Grato Halla!

    Thanks garotas!!

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  5. Pois é, veja só que interessante,,,já eu não vi qualquer distância entre o Véio China e o Du Pavani quando li o texto até porque, pelo tanto que o leio creio que em mim ambos se mesclam tanto que até ao distanciarem-se se confundem. O que senti e isto me foi visceral, é que esta alma feminina descrita no texto de fato existe, mas ha de ter uma idade mais madura, para saber saborear as diferenças de sal de cada lágrima e mais ainda para levantar e seguir mesmo quando em face das ranhuras do chão. Eu já havia lido este texto anteriormente Véio, só não comentei...mas é o que eu sempre digo: poesia é um bicho estranho que muda de face a cada novo dia, hoje este texto bateu, doeu forte e não resisti uma linha para você que é na verdade o grande mestre deste fazer sentir! eita escritor danado de bom! hehehehe abração menino Véio.

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  6. Caraca! Que crítica linda, e que me orgulha muito, afinal, és poeta, e das ótimas. Grato por tuas palavras, Marcia! Beijão de agradecimento.

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